A pornografia é a ferramenta do patriarcado sobre como ver, representar, tratar e vivenciar mulheres e o seu corpo no espaço público e privado. As suas violências, simbólicas e reais, nas representações fictícias das histórias de abuso que tratam e os abusos bem reais das atrizes expostas a estas violências, servem apenas para sedimentar a supremacia masculina sobre os nossos corpos e as nossas vidas. Não há pornografia isenta ou ética, nem a dita “pornografia feminista."
A idade média do início do consumo de pornografia são 12 anos. Na ausência de educação sexual, esta torna-se a base sobre a qual rapazes e raparigas constroem a sua sexualidade. Um inquérito no Reino Unido revela que 44% dos rapazes entre os 11–16 anos admitem que esta é a base para o tipo de sexo que querem experimentar. Além disto, consumir pornografia desde cedo torna rapazes mais prováveis a pressionar as suas parceiras a ter sexo violento, diminuindo a sua empatia com vítimas de abuso sexual e tornando-os mais passíveis de acreditar em "mitos de violação" como "ela queria, ela estava a pedir".
A pornografia define a forma como os corpos das mulheres são vistos e representados. Mulheres individuais não precisam de consumir pornografia para serem profundamente afetadas por ela, porque as imagens e as mensagens na pornografia chegam a mulheres e meninas através da cultura pop. Aliada à cultura pornificada surge a ideia, também popularizada pelo feminismo liberal, de que a conformidade com essa imagem hipersexualizada irá "empoderar" as mulheres, garantindo que cumprimos o nosso papel socialmente estabelecido como objetos de prazer, disfarçado de "revolução sexual".
Dworkin e Mackinnon definem pornografia como materiais sexualmente explícitos que subordinam mulheres através de imagens ou palavras. A pornografia enquanto propaganda do patriarcado representa mulheres como objetos que gostam de ser abusadas, forçadas e violentadas, ao mesmo tempo que ensina aos homens as práticas violentas e abusivas que são reproduzidas diariamente contra mulheres reais. Estudos indicam que há elevados níveis de agressão na pornografia. De 304 cenas analisadas, 88% continham agressão física enquanto 48,7% continham agressão verbal.
Mulheres e crianças são violentadas na pornografia e, não surpreendentemente, aqueles que erotizam a violência sexual masculina, também perpetuam essa mesma violência nas mulheres e crianças ao seu redor. Ver cena após cena leva à normalização gradual do assédio e abuso sexual de mulheres e arruina as dinâmicas de intimidade dentro de um casal. Estudos mostram que os consumidores de pornografia, violenta e não violenta, são mais passíveis de usar coerção verbal, drogas e álcool para forçar mulheres a ter sexo.
O feminismo preocupa-se não só com a mensagem violenta e machista da pornografia, mas também com as vidas e a segurança das mulheres reais que são abusadas e violentadas na pornografia para depois terem o seu trauma vendido e distribuído em sites como o pornhub, que lucram com a sua violação. É importante considerar a coerção económica a que estas mulheres estão sujeitas, além da física e emocional.
propaganda do patriarcado
cultura pornificada
A vanglorização da violência no BDSM também toma a forma da fetichização da violação: a mulher dizer não e estar visivelmente em sofrimento é erotizado e um fator de atração. Um claro exemplo disto é a disponibilidade de vídeos de violações em sites pornográficos, quer de mulheres que são abusadas na indústria, quer de mulheres que foram abusadas e viram os vídeos partilhados pelo agressor. Isto é materializado através de categorias como rape kink, public transport abuse, fucked while sleeping, etc.
A pornografia legitimiza a hipersexualização precoce de meninas e transforma a pedofilia num fetiche através de categorias como daddy dom/little girl, stepdaughter, abused teens, stepsister, entre outras. Reproduzir a pedofilia enquanto kink esvazia a gravidade da violência contra crianças praticada diariamente em todo o mundo, normalizando a atração de homens mais velhos por meninas e jovens e contribuindo diretamente para o assédio e, em última instância, a violação.
Em 2018, o maior site de pornografia do mundo encabeçou a sua lista de top searches com conteúdo racialmente estereotipado. A pornografia glorifica e explora o racismo sistémico com passe livre, incluindo milhões de vídeos em que mulheres negras protagonizam escravas sexuais. Num relatório intitulado Racism in Pornography, Alice Mayall e Diana Russell fornecem exemplos de títulos descaradamente racistas, incluindo “Animal Sex Among Black Women”, “Gang Banged by Ni***s" e a lista continua.
De acordo com a análise feminista radical, a dominação masculina e a submissão feminina são erotizadas na sociedade patriarcal. Para as mulheres retratadas na pornografia, o prazer vem da sua posição de subordinação em relação ao homem. Esta erotização da hierarquia de género é um obstáculo direto a qualquer movimento de emancipação feminina.
O BDSM, através da pornografia, vem normalizar, legitimar e absolver de crítica a violência contra a mulher. A exposição à pornografia, bem como a nossa socialização numa cultura pornificada e patriarcal, condiciona-nos a aceitar e até gostar de ser espancadas, esganadas e queimadas. Somos, assim, forçadas a incorporar os valores da objetificação sexual e tornamos-nos alienadas dos nossos corpos. "Vanilla Sex", um termo usado de forma pejorativa para aqueles que não praticam sexo violento, é visto como pouco erótico e inferior. As mulheres que o praticam são inferiorizadas, consideradas frigidas e púdicas.
BDSM
fetichismo
Mulheres burguesas exploram mulheres de classe trabalhadora. É importante interiorizar que mulheres exploram mulheres diariamente para compreender porque é que o argumento de “pornografia criada por produtoras e diretoras mulheres para mulheres” não só não implica nenhuma desresponsabilização automática do produto pornográfico, como, mais do que isso, se trata de um posicionamento profundamente liberal. Vai na mesma linha do argumento pela necessidade de “mais mulheres CEOs” e “mais mulheres presidentes”.
Um vídeo pornográfico que explora e exerce violência sobre mulheres que coloca no mercado para lucro não é menos criticável porque a produção era unicamente feminina. A tentativa de dirigir a pornografia a um público feminino e dar-lhe um carácter representativo é uma táctica individualista, que pauta pela acessibilidade e inclusão, em oposição à mudança social. Grupos oprimidos ficam reduzidos à procura por representatividade em instituições que são criadas precisamente através da sua opressão e exclusão.
A esmagadora maioria dos consumidores de pornografia "Feminista" continuam a ser homens. Este tipo de pornografia, especialmente numeroso na sua exploração de relações lésbicas, que depois disponibiliza a homens por dinheiro, é comercializada como sendo “dirigida ao público feminino” o que não significa que ela deixa de explorar corpos das mulheres sexualmente numa indústria que fatura milhões. Enquanto a indústria existir, o capitalismo vai continuar a explorar os corpos das mulheres.
A exploração sexual das mulheres colocada no mercado por lucro é sempre censurável.
É sempre uma ferramenta do patriarcado. É sempre do interesse capitalista.
É papel de qualquer militância feminista colocar-se vincadamente contra esta exploração.
pornografia feminista?
8 DE MARÇO - DIA INTERNACIONAL DA MULHER TRABALHADORA
O Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, assinalado todos os anos a 8 de março, deve ser para o movimento feminista uma ocasião de luta - em oposição às celebrações simbólicas que durante tantos anos cooptaram esta data. Lembramos as mulheres proletárias russas que, em 1917, protestaram contra a fome, o desemprego e a deterioração das condições de vida para a sua classe. É sobre este legado que assinalamos este 8 de Março, com as mesmas exigências de há 104 anos: pão, terra, trabalho e liberdade.
O que a crise pandémica representou para a mulher no último ano, sobretudo para a mulher da classe trabalhadora, é de uma violência feroz. Foram elas quem mais sofreram e continuam a sofrer com esta crise, foram elas quem mais foram dispensadas e/ou empurradas para o lay-off - só entre março e abril de 2020, 9 em cada 10 empregos perdidos eram ocupados por mulheres. Mas foi também em 2020 que a ofensiva proxeneta ganhou força, colocando em causa proteções e avanços da luta feminista de outros tempos. São as mulheres pobres, imigrantes e frequentemente racializadas que são empurradas para o sistema prostitucional: números que aumentam categoricamente.
De uma violência perversa, a indústria sexual, na qual se inclui também a pornografia, representa a instituicionalização da opressão, da humilhação e da coisificação da mulher. Um corpo que é sempre público - e se a pornografia e a prostituição ensinam aos homens como devem tratar as suas companheiras, pouco ou nada sobra nas relações de intimidade interpessoais senão algum nível de violência. Para muitas de nós, essa violência é frequentemente fatal.