A prostituição é o coração de uma poderosa indústria do sexo que se alimenta da saída de mulheres das suas comunidades, famílias e países: migrações de países com altas taxas de pobreza em direção aos que têm mais qualidade de vida, mas também das comunidades rurais às urbanas. Estas mulheres pertencem maioritariamente a comunidades culturais inferiorizadas e marginalizadas, não só pelo Ocidente mas também pelas elites culturais e económicas dos seus próprios países. Esse eixo racial e colonial vincula-se com dois outros eixos, o patriarcal e o neoliberal, dando lugar a novas formas de escravidão. A prostituição incorpora com precisão o mandato patriarcal de que as mulheres são para os outros e não para si mesmas. Aqui incorporam-se tantas violências materiais e simbólicas contra as mulheres prostituídas, mas também contra todas as mulheres, que só cabe a sua abolição.
É de extrema importância fazer uma análise de classe no que toca ao sistema da prostituição. Os compradores de sexo têm mais probabilidade de terem empregos a tempo inteiro, terem um curso universitário e um salário acima da média, o que contrasta categoricamente com a dados demográficos da esmagadora maioria das mulheres em situação de prositituição. O capitalismo lucra com a exploração sexual de mulheres pobres, muitas vezes racializadas, por homens ricos, pelo que oferecer a estas mulheres opções de saída vai diretamente contra os interesses do capital. Como reconhecido pelo Parlamento Europeu, este negócio obtém lucros estimados em 186 mil milhões de euros anuais, um montante mais elevado do que a totalidade das despesas militares em todo o mundo. Este negócio tem servido para o branqueamento de capitais e para alimentar a tríade dos negócios criminosos, com especial atenção ao tráfico de pessoas.
A prostituição é de impossível erradicação em capitalismo - um sistema de escassez, em que historicamente as mulheres não são detentoras de capital, e que é assente na exploração do homem pelo homem: 1% da população global detém a mesma riqueza que os restantes 99%.
Ademais, enquanto feministas materialistas, reconhecemos a violência da socialização feminina: um processo em que interiorizamos a ideologia dominante na sociedade e que condiciona todas as nossas escolhas, vivências e gostos. Afirmar, portanto, como o afirmam a direita e amplos setores da esquerda associados ao feminismo liberal, que a prosituição é uma “escolha livre” de cada mulher não é apenas factualmente falacioso como, para a esquerda anticapitalista, é também profundamente anti-marxista.
A grande maioria (98%) das pessoas na prostituição no mundo são mulheres, ao passo que 98% de todos os compradores de sexo são homens. A sobrerrepresentação de mulheres e meninas no sistema da prostituição tem por base a opressão histórica sexual da mulher e a objetificação e mercantilização dos nossos corpos. Na prostituição, o que está a ser vendido não é o prazer sexual abstrato enquanto mercadoria, mas sim o próprio corpo da mulher prostituída. Além disto, a idade média de entrada na prostituição são 14 anos, pelo que a prostituição não só constitui uma violência machista mas fomenta e permite que pedófilos tenham acesso a corpos de crianças, incapazes de consentir a qualquer tipo de ato sexual.
A prostituição tem também impactos brutais nas pessoas que se prostituem. Os estudos apontam para um risco acrescido de perturbações de saúde sexual (devido às exigências violentas dos compradores do sexo), física e mental, toxicodependência, alcoolismo, perda de auto-estima, para além de uma taxa de mortalidade superior à da média da população geral.
sistema da prostituição
sistema capitalista
O Modelo Nórdico encara a prostituição como uma violência machista. Assim, o seu programa baseia-se na criação apoios e alternativas para as mulheres e crianças na prostituição, de forma a que possam escapar a indústria. Ao mesmo tempo, criminaliza o proxenetismo e os compradores de sexo que se aproveitam da situação de vulnerabilidade destas mulheres, usando a coação financeira para ter acesso a corpos de mulheres e crianças sobre os quais exercem extrema violência.
A maior vantagem do modelo nórdico é o extraordinário sucesso no abrandamento da renovação geracional de mulheres em situação de prostituição, diminuindo drasticamente o número de mulheres e meninas que entram no sistema logo a partir da segunda geração. Estes resultados não são possíveis de atingir em países que têm em vigor o Modelo Regulacionista.
Regular a prostituição implica colocar o corpo da mulher no mercado, o que causa inevitavelmente a sua desumanização. Ao assumir a regulamentação do acesso de homens a corpos femininos, o “contrato prostitucional” passaria então a consagrar o corpo da mulher na lei como um objeto suscetível de ser legislado. Converter a prostituição num contrato de trabalho implica, assim, a subordinação ao empregador.
O racismo e a fetichização são elementos centrais do sistema da prostituição. Mulheres negras e asiáticas estão sujeitas a algumas das piores brutalidades. A “raça” é usada frequentemente como um ponto de venda e tratada como mercadoria. Regulamentar a prostituição, institucionalizando assim estas práticas, implicaria uma fetichização do racismo legalmente sancionada, e portanto socialmente aceite.
regulamentar a prostituição?
modelo nórdico
No ordenamento jurídico português a prostituição é descriminalizada, pelo que nenhuma mulher prostituía é presa ou perseguida criminal ou judicialmente. Além disto, é possível a qualquer pessoa em situação de prostituição aceder ao regime de recibos verdes e descontar para a Segurança Social como “trabalhador independente.” Não ignoramos, apesar disto, o caráter extremamente precário da situação laboral em causa.
O Código Penal pune apenas aqueles que, profissionalmente ou com fins lucrativos, promove, encoraja ou facilita a prostituição de outra pessoa, com pena de prisão de seis meses a cinco anos. Ou seja, quando se fala em “legalização da prostituição”, trata-se de uma falácia propositada, um branqueamento por parte do lobby da indústria do sexo (e da esquerda que o apoia), para esconder que o que se procura na realidade legitimar: os chulos - proxenetas que lucram, exploram sexualmente, violentizam, drogam e violam mulheres extremamente vulneráveis na indústria sexual.
A par da criminilização do lenocínio em 1991, Portugal ratificou a Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem, que consagra que a prostituição e o tráfico de pessoas para a prostituição são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e colocam em perigo o bem-estar individual, comunitário e familiar.
O movimento feminista deve ser claro e intrasigente na proteção dos direitos que já alcançamos em Portugal, para que a nossa legislação não recue, para que haja investimento e sejam disponibilizadas opções de saída e proteção às mulheres em situação de prostituição. Lutamos para defender a criminalização dos proxenetas e reinvindicamos a criminalização dos compradores de sexo.
situação em Portugal
8 DE MARÇO - DIA INTERNACIONAL DA MULHER TRABALHADORA
O Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, assinalado todos os anos a 8 de março, deve ser para o movimento feminista uma ocasião de luta - em oposição às celebrações simbólicas que durante tantos anos cooptaram esta data. Lembramos as mulheres proletárias russas que, em 1917, protestaram contra a fome, o desemprego e a deterioração das condições de vida para a sua classe. É sobre este legado que assinalamos este 8 de Março, com as mesmas exigências de há 104 anos: pão, terra, trabalho e liberdade.
O que a crise pandémica representou para a mulher no último ano, sobretudo para a mulher da classe trabalhadora, é de uma violência feroz. Foram elas quem mais sofreram e continuam a sofrer com esta crise, foram elas quem mais foram dispensadas e/ou empurradas para o lay-off - só entre março e abril de 2020, 9 em cada 10 empregos perdidos eram ocupados por mulheres. Mas foi também em 2020 que a ofensiva proxeneta ganhou força, colocando em causa proteções e avanços da luta feminista de outros tempos. São as mulheres pobres, imigrantes e frequentemente racializadas que são empurradas para o sistema prostitucional: números que aumentam categoricamente.
De uma violência perversa, a indústria sexual, na qual se inclui também a pornografia, representa a instituicionalização da opressão, da humilhação e da coisificação da mulher. Um corpo que é sempre público - e se a pornografia e a prostituição ensinam aos homens como devem tratar as suas companheiras, pouco ou nada sobra nas relações de intimidade interpessoais senão algum nível de violência. Para muitas de nós, essa violência é frequentemente fatal.